Palavras do Rabino Pablo Berman

Ki Tissa, e tudo o que tocas pode ser ouro

Há muito tempo, nas terras da Grécia Antiga, existia um rei chamado Midas. Dentre todos os mortais, ele era conhecido por sua riqueza e poder, mas também por sua insaciável ganância. Certa vez, os deuses, querendo testar sua sabedoria, decidiram conceder-lhe um desejo.
Midas, cegado pela avareza, desejou que tudo o que tocasse se transformasse em ouro. Os deuses, relutantes, concederam-lhe o pedido. Inicialmente, o rei ficou extasiado com sua nova habilidade, transformando simples objetos em reluzentes tesouros com um simples toque de suas mãos.
No entanto, a alegria logo se transformou em desespero. Midas não conseguia mais abraçar seus entes queridos, pois seu toque os petrificava em ouro. A comida que tentava saborear se tornava metal frio em seus lábios. Sua fortuna tornou-se uma prisão dourada, e a solidão se tornou sua companheira constante.
Tudo aquilo que tocava, virava ouro. Maravilha, não é? Tem pessoas assim, que tem inteligência, e tudo aquilo que tocam se transforma em ouro. Para o Rei Midas, na verdade, virou uma desgraça. Mas, quem não gostaria ter esse dom, ao menos, algumas horas...
Mas, muito podemos aprender do Rei, do seu desejo que se transformou em realidade, sobre a busca desenfreada pela riqueza e as consequências de escolhas precipitadas. A história do Rei Midas passou a ser contada como um aviso sobre os perigos da ganância e da importância de ponderar sobre os desejos que buscamos realizar.
No judaísmo, a história é outra. Como sempre. O que nos estimula, nos encoraja o texto da Torá, é transformar os objetos, as pessoas, a vida, tudo, em Santidade.
O texto relata a continuação da construção do Mishkan, cada detalhe, cada parte, que como se fosse um Lego perfeito encaixa uma na outra. Do mesmo modo, as roupas dos Cohanim. E aí o texto diz:
Ve Kidashta otam, vê haiu kodesh kodashim, kol hanoguea baem ikdash. 
Assim, você os consagrará para que se tornem santíssimos; tudo o que os tocar será santo.
Nossas tradições, nosso objetos sagrados, nossas festividades, nossas mesas que montamos em cada Shabat e em cada festividade, tudo é sagrado, e quando tocamos, quando mexemos em cada uma dessas coisas, nos transmitem a santidade, a kedusha. O judaísmo não nos ensina a transformar em ouro cada coisa que tocamos, muito pelo contrário, nos ensina que as coisas, tudo, a vida, nossas essências, nossas almas, que tocamos, que mexemos, que significam algo importante para cada um de nós, que isso seja santo. Que possua kedusha, e que possa transmiti-la, transferi-la a cada instante em todo o tempo a outros objetos, a outras pessoas, à vida.  
No fim, contemplamos a história do Rei Midas e a sabedoria da Torá como guias em nossa própria jornada. Às vezes, almejamos transformar nossos sonhos em ouro reluzente, mas a verdadeira riqueza reside na busca da santidade em nossas vidas. Cada desejo que acalentamos deve ser temperado pela reflexão sobre seu impacto, pois, assim como Midas, podemos inadvertidamente aprisionar a nós mesmos na frieza do metal precioso. Que possamos aprender a discernir entre os desejos que nos enriquecem espiritualmente e aqueles que nos aprisionam. Que nossas ações, toques e escolhas irradiem santidade, tornando cada momento uma oportunidade para transformar não apenas o que tocamos, mas também quem somos, em algo sagrado e significativo. Que a verdadeira riqueza seja a kedusha que cultivamos em nossas vidas, espalhando-a como um tesouro radiante para enriquecer o mundo ao nosso redor. Assim seja, neste Shabat e em todos os dias vindouros.