Palavras do Rabino Pablo Berman

01 de dezembro de 2023

Yaakov está rezando...

Yaakov está rezando. O terceiro dos patriarcas reza a Deus. Ele está com medo, atravessado pelo temor, minutos antes de encontrar seu irmão Esav. Antes de entrarmos nesta fascinante história de encontro entre irmãos, uma das histórias mais tensas da narrativa bíblica, gostaria que nos questionássemos: por que somos Benei Yaakov?
Nas últimas semanas, falamos muito sobre Yaakov. Somos chamados pelo seu nome, os filhos de Yaakov, e amanhã, quando lermos na Torá a mudança de nome, seremos chamados os filhos de Israel, os Benei Israel.
Por que somos chamados assim? Temos muitos heróis do Tanach com histórias grandiosas. Abraham, que vai contra os ídolos, deixa sua casa, sua família, por um chamado divino. No entanto, não somos descendentes de Abraham, mas de Yaakov. Também não somos chamados os Benei Itzchak. Itzchak também teve que atravessar momentos difíceis na vida. Da mesma forma, Moshe, o líder do povo, modelo de liderança por excelência. E ainda não somos os Benei Moshe. 
E, no entanto, somos o povo de Yaakov. O que sabemos sobre ele? A maioria das histórias que conhecemos sobre ele são problemas com sua família. Apenas problemas familiares. Se ele roubou a bênção de seu irmão, se fantasiou de seu irmão e mentiu para seu pai, se foi enganado e deram a ele uma mulher em vez de outra, se enganou seu sogro e ficou com todo o gado dele, etc. Apenas aflições familiares. E é dessa pessoa que somos chamados. 
Agora, no texto que vamos ler amanhã, eles farão uma pergunta crucial a Yaakov. Uma pergunta que talvez todos deveríamos nos fazer, uma pergunta que nos impacta ainda mais se compreendermos que não é uma pergunta de 4000 anos atrás. Uma pergunta que nos interpela. A pergunta é: quem é você?
Quem é Yaakov? Quem é verdadeiramente, você? Onde está a verdadeira essência de sua alma, de seu ser? Não nas máscaras que estamos constantemente colocando. Uma máscara para cada ocasião. Máscaras que escondem quem realmente somos. 
Essa é a pergunta que fazem a Yaakov. E tudo o que sabemos sobre ele são suas máscaras e seus problemas familiares. Começa claramente quando seu pai diz abertamente que prefere seu irmão. O irmão é melhor, maior, mais forte, quem sustenta a casa. Yaakov quer ser como seu irmão, não quer ser ele mesmo. Por isso, Yaakov rouba a primogenitura de seu irmão. Quer ser o irmão a quem seu pai ama. Todo esse drama termina quando ele foge de casa e, 20 anos depois, se encontra com seu irmão novamente. 
Antes, ele vive com seu tio, para onde vai sem nada. Trabalha para o tio, que tem negócios e gado. Imaginem essa cena, um sobrinho que chega sem nada, que vai em busca de ajuda do tio. Não é fácil. Essa parte da história de Yaakov, também tem muita confusão. O sobrinho que vai trabalhar com o tio que tem muitos bens, termina no final conseguindo muito gado. Ele briga com o tio. O tio o acusa de roubo. E de novo, Yaakov deve ir embora com suas esposas e filhos.
Até que chega um momento na vida de Yaakov, como na vida de cada um de nós, em que dizemos "chega de máscaras" e de confusão. Chega de fugir, de não poder ser, quem sou. Sempre querendo ser alguém que não sou. Sempre com uma máscara diferente. E é por isso que agora, 20 anos depois, Yaakov está sozinho no meio do deserto e começa a rezar. 
Reza para que isso mude de uma vez por todas. E esse momento é agora. Yaakov decide enfrentar a situação, mas antes pede a Deus, sabendo que seu irmão Esav está vindo ao seu encontro com 400 pessoas, diz a Deus: "Salva-me disso, atzileni-na". É nesse instante que um homem (ou anjo) aparece e luta a noite toda com Yaakov. Imaginem, a noite toda, dois homens lutando, corpo a corpo, até o amanhecer.
Yaakov luta com esse ser desconhecido que ele encontra no cruzamento de um rio, o rio Yabok. Tudo isso antes do encontro com seu irmão Esav. Esse ser desconhecido, podemos acreditar que era um anjo, um homem estranho, talvez um demônio, quem sabe. Mas Yaakov consegue vencê-lo, e antes do amanhecer, esse ser estranho pede a Yaakov que o deixe ir, mas antes pergunta: "Ma shmecha?", qual é o seu nome. Mas está claro que esse ser estranho sabe que está lutando com Yaakov. E Yaakov responde: "Eu sou Yaakov".
Nesse momento determinante, sem dúvida, Yaakov volta no túnel do tempo para se lembrar da mesma pergunta que seu pai fez, quando Yaakov, fantasiado de Esav, está diante de seu pai cego, e ele pergunta: "Quem é você?" E Yaakov responde: "Eu sou Esav!" Essa é a tragédia de Yaakov, não ser ele mesmo. Não ser a pessoa que deveria ser. Estar o tempo todo colocando máscaras que escondem quem é, ou quem somos.
A pergunta não é qual é o seu nome. A pergunta é quem é você. Você tem um nome. Mas ninguém sabe quem você é. Quantos nomes você tem, Yaakov? Quantas faces?
A pergunta é com quem Yaakov está lutando. Quem é essa pessoa? Muitas são as possibilidades que os Midrashim nos dão. Essa pessoa, que na verdade o texto não diz que é um anjo, a Torá diz claramente "Ish", pessoa, e nos diz que Yaakov está sozinho, absolutamente sozinho. Por isso talvez que uma das interpretações nos ensina que essa pessoa, é ele mesmo. Yaakov luta consigo mesmo, uma luta que dura mais de 20 anos, talvez desde que nasceu. 
Quem é você, Yaakov? Antes de enfrentar o problema que seu irmão representa para ele, Yaakov tem essa luta consigo mesmo. 
Quem é você, Yaakov? Porque se, 20 anos depois, você responder novamente "Esav", então tudo está perdido. Porque não podemos ser o que os outros querem que sejamos. Somos o que somos, cada um de nós. Com nossas virtudes e defeitos. É aí, nesse momento, que Yaakov olha nos olhos desse ser, quem quer que seja, e diz a ele: "Sabe de uma coisa, sou Yaakov. E nesse momento é quando esse ser lhe diz: "A partir de agora, você será chamado Israel. Agora que você, Yaakov, sabe quem é, que é Yaakov, agora pode ser Israel. Aquele que lutou contra suas máscaras e venceu, esse é Israel.
Por isso, somos Benei Israel, os filhos de Israel, os descendentes de Yaacov, o povo de Israel. Hoje, não somos nós que usamos máscaras. É o mundo hipócrita que mais uma vez fecha os olhos diante do que está acontecendo. Já faz algum tempo que, como povo, retiramos as máscaras e dizemos sem medo quem somos, qual é o nosso destino, qual é a nossa história e por quais motivos lutaremos até as últimas consequências. Porque na vida e na história, acredito, existem eventos que devem ser a gota d'água. Existem acontecimentos que nos desafiam, diante dos quais precisamos dizer: "Basta". E esse momento já chegou. Hoje, Yaakov não é mais apenas Yaakov. Hoje, ele é Israel. Aquele que enfrenta tudo o que surge à sua frente e sai vitorioso.