Palavras do Rabino Pablo Berman

Parashat Vaikra, Shabat Zachor, um Purim diferente

Estou convencido de que somos um povo que se lembra de tudo. Todos os eventos ocorridos com nosso povo e nossa história são lembrados. Não sei se outros povos fazem o mesmo. Não posso dizer que somos os únicos, mas com certeza são poucos. 
Mas, de nossa experiência latino-americana podemos aprender muitas coisas. Vivemos em países, ou povos, se vocês quiserem, que não lembram sua história. Não apenas não lembram, mas também esquecem e mudam os acontecimentos. 
Deturpam os fatos de como ocorreram de verdade. Falo de países, falo também de outras tradições religiosas, que cometeram desastres durante toda sua existência, massacraram em nome de Deus e isso não está nos livros de história. Por isso, acredito que, sem sombra de dúvida, não temos muitos povos como o povo judeu que lembra de tudo. 
Temos diferentes formas de lembrar, seja com cerimônias religiosas, leituras do texto da Torá, festas alegres, lutos com jejuns, semanas de tempos de tristeza, todo nosso calendário está perfeitamente organizado e estudado. 
Obviamente, acrescentando todas as datas que têm a ver com Medinat Israel, Iom Haatzmahut, Iom Hazikaron e, sem dúvida, Iom Hashoa. 
Em particular, é sobre isso quero mergulhar nesta noite, este Shabat é conhecido como Shabat Zachor. Nós que nos lembramos de tudo, chamamos este Shabat em particular de Shabat da Recordação, da lembrança. O Shabat anterior a Purim, sempre é Shabat Zachor. Por quê? 
Porque amanhã leremos na Torá um pequeno parágrafo de sefer Devarim que diz assim, Zachor et asher asa lecha Amalek, baderech betzetchem mimitzraim. Lembre-se do que Amalek te fez, quando você saiu do Egito. Lembre-se de como você foi atacado pelas costas. Como ele atacou os mais fracos. Como tentou destruí-los. Daí então, “timche et zecher Amalek mi tachat a shamaim. Você vai apagar a memória de Amalek debaixo do céu, não se esqueça. Quem é Amalek e o que ele fez para merecer ser apagado da Terra? Amalek é um povo. Os amalequitas. E sua figura principal é o protótipo do mal, Amalek. Durante as gerações, Amalek tomou diferentes formas e nomes. Mas sabemos que Haman, o malvado da história de Meguilat Ester e de Purim, é da família de Amalek. É o protótipo do mal que continua existindo. Que passa de uma geração para outra. O primeiro desta série de protótipos do mal tentou destruir Israel quando saíram de Mitzraim, eles fizeram isso pelas costas, à traição, e, segundo os rabinos, não respeitaram as leis da guerra, atacaram os mais fracos, um grupo de escravos, por isso merece que seu nome seja apagado da face da Terra. 
Desta forma, os rabinos discutem quem é Amalek, se há ou não que destruir todo esse povo durante as gerações subsequentes, se ainda hoje existem. E a resposta é, sim, existem. E disso nos sabemos muito bem como é a nossa história.
A Mitzva é (porque a Torá dá uma ordem, aqui o interessante do texto da Torá) Zachor, lo Tishkach, ou seja, lembre-se e não esqueça, está escrita como uma ordem a cumprir, um preceito Divino. E, sem dúvida, a resposta mais sábia acredito que dá o Rambam, Maimônides no século XII. Que sabia que somos um povo que não se esquece de nada. Diz o Rambam, “mitzvat ase lizkor tamid maasav haraim vaaribato”. 
É uma mitzva positiva lembrar os eventos ruins que aconteceram com o povo judeu. 
E isso aprendemos de Amalek e de zachor. É um dever lembrar todas as coisas tristes que nos aconteceram como povo. Por isso lembramos de tudo, cada detalhe das coisas que nos fizeram, e construímos museus pelo mundo todo contando nossa história. Para que não aconteça conosco novamente, nem com outros. Embora aconteça com outros o tempo todo. Lembrar é uma mitzva, não é apenas uma propriedade do cérebro. É um dever, uma obrigação religiosa. Isso é o que devemos entender. E acrescenta Maimônides, diante da pergunta que ele faz sobre o texto de Devarim, porque começa com “Zachor”, lembre-se, e termina aquele pequeno parágrafo com “lo tishkach”, não se esqueça. Qual é a diferença entre lembrar e não esquecer. Diz Maimônides, “zachor bape” lembre-se com a boca” “lo tishkach baleb” não se esqueça com o coração. Quando lembramos fazemos com a boca, contamos o que nos aconteceu em uma história de mais de 3000 anos. Contamos, escrevemos livros, testemunhamos, construímos museus.
 O não esquecer é no coração. Não esquecer nunca o que foi nossa história. As centenas de Amaleks, e as centenas de Hamans que conhecemos em nossa história. E, sem dúvida, esse ano Purim é diferente, muito diferente. Como poder alegrar-nos, como poder festejar, após a tragédia de 7 de outubro? Que o mundo já esqueceu, claramente. Mas, nos, não esquecemos. Nem vamos esquecer. Ainda tem 134 pessoas reféns em Gaza, muitos já nem estão com vida, mas, ainda que fosse apenas um ser humano refém naquele inferno, o povo de Israel vai lutar. Por isso também, amanhã quando iniciemos a celebração de Purim, vamos acender aquela vela amarela, que será acesa em todas as comunidades judaicas do mundo, para precisamente não esquecer, que estamos atravessando tempos difíceis, que muitas pessoas estão sofrendo, que muitas pessoas perderam seus entes queridos nesta guerra contra nossos inimigos, o Amalek e o Haman de nossa geração. A vida deve continuar não me perguntem como, mas deve continuar. Como sempre, após as piores tragédias, o povo judeu teve a coragem, a força física e espiritual, a firmeza e a dignidade para continuar em frente. Mas, em nossos corações, jamais vamos esquecer nem perdoar.
Essa é a Mitzva de Purim também, além de comer oznei haman, fantasiar-se, divertir-se, beber, comer, ler o maravilhoso texto de Meguilat Ester, e preparar matanot laevionim, presentes de comida para pessoas pobres e presentes para outros judeus. A mitzva também é zachor al tishkach, lembrar e nunca esquecer. Shabat shalom umeborach.