Palavras do Rabino Pablo Berman

24 de novembro de 2023

Parashat Vayetze. Escadas

O patriarca Yaacov é um sonhador. Sempre que ele pode, sonha. Sonha com anjos, com escadas, com exércitos de anjos. Ele enxerga o que outros não podemos enxergar. Yaacov deve partir de Beer Sheva, da casa de seus pais, e vai a caminho de Charan, para procurar esposa, porque a esposa deve pertencer à família da sua mãe, ele não pode casar com as mulheres da terra de Canaan. No meio do caminho, o sol começa a descer. Yaakov pega uma das pedras do deserto para usar como travesseiro, fecha os olhos, e sonha. Sonha com uma escada, no texto aparece a palavra Sulam. Uma palavra que só aparece no texto do Tanach uma vez só.  E isso é muito significativo. 

No sonho Yaacov vê uma escada, que apoia na terra e toca com seu topo os céus. E os anjos divinos, sobem e descem. 
Inúmeras intepretações foram escritas sobre esse sonho. Vou compartilhar algumas delas...

1. Conexão entre a Terra e o Céu: A interpretação mais comum é que a escada simboliza a conexão entre a Terra e o Céu. Os anjos subindo e descendo representam a comunicação entre Deus e a humanidade. A visão destaca a proximidade de Deus e a possibilidade de uma relação íntima entre o divino e o humano.

2. Promessas Renovadas: Na narrativa, Deus renova as promessas feitas anteriormente a Abraham e a Itzchak e Yaacov. A escada pode, portanto, simbolizar a continuidade das promessas divinas e a garantia da aliança de Deus com o povo de Israel.

3. Caminho Espiritual: Alguns interpretam a escada como um símbolo do caminho espiritual que as pessoas devem percorrer para alcançar uma compreensão mais profunda de Deus. Os degraus da escada representariam os estágios ou desafios da jornada espiritual.

4. Betel como Casa de Deus: Yaacov chama o lugar de Betel, que significa "Casa de Deus". Isso pode ser interpretado como uma indicação de que a presença de Deus não está confinada a um local específico, mas pode ser experimentada em qualquer lugar onde haja uma abertura espiritual.

5. Visão Profética: Alguns veem a visão da escada como uma visão profética, prenunciando o papel central de Israel na redenção divina e a eventual vinda do Messias.

6. Simbolismo Místico: Em tradições místicas e cabalísticas dentro do judaísmo, a escada de Yaacov é frequentemente interpretada de forma mais simbólica e esotérica, representando conceitos como ascensão espiritual, iluminação e a unidade de Deus.

7. Uma interpretação adicional, é a associação da escada de Yaacov com as potências mundiais da historia, ou seja os babilônios, os persas, os gregos e os romanos, todos eles subiram e finalmente desceram. Esta interpretação frequentemente se baseia na ideia de que os diferentes degraus da escada representam diferentes impérios ou potências que se levantam e caem ao longo da história. De acordo com essa interpretação, os anjos que sobem e descem pela escada simbolizariam o controle divino sobre essas potências, indicando que a ascensão e a queda de nações estão sujeitas à vontade de Deus. Cada degrau da escada representa um período na história em que uma determinada potência está no auge de sua influência e, em seguida, declina, e some da história, mas Israel continua viva.

Mas, o Ralbag, rabino francês do século XIII, nos diz uma intepretação bem diferente, profunda, e significativa, 
הם כחות כי כל כח נקרא מלאך
A escada, cada degrau da escada, são forças. Cada anjo que sobe e desce representa essas forças. 

Acho que essa frase concreta, pode iluminar nossa interpretação neste Shabat, com a imagem dessa escada infinita, que tem sua base na terra, que apoia na terra, na realidade que vivenciamos, e aspira a tocar as alturas celestiais.
A escada se revela diante de nós, uma construção etérea e sólida ao mesmo tempo. Cada degrau, firme e resistente, não é apenas uma etapa a ser subida, mas sim uma manifestação tangível de forças que impulsionam nossa jornada diária.

Os degraus da escada são como os aspectos fundamentais de nossas vidas, os pilares que sustentam nosso caminhar. No primeiro degrau, sentimos a força do nascimento, a vitalidade de começar algo novo. À medida que ascendemos, cada degrau é uma expressão das forças que nos impulsionam: a perseverança, a esperança, a paixão.

Os anjos que sobem e descem são as representações vivas dessas forças. Quando um anjo sobe, é a força da inspiração que nos toca, nos motivando a alcançar novas alturas. Quando desce, é a força da reflexão, nos lembrando de apreciar cada degrau, cada momento em nossa jornada.

Na escada da vida cotidiana, os degraus das relações interpessoais são particularmente significativos. Cada conexão é um degrau, uma expressão da força dos vínculos que construímos. Os anjos que sobem aqui são os laços que nos elevam, que nos apoiam nos altos e baixos da existência.

Quando enfrentamos desafios, os degraus são feitos das forças da superação. Os anjos que descem são mensageiros da resiliência, lembrando-nos de que, mesmo diante das adversidades, há uma força interna que nos impulsiona a seguir em frente.
Assim, a escada de Yaacov, com seus degraus e anjos, torna-se uma representação poética das forças que moldam nossa jornada diária. Em cada passo, em cada subida e descida, encontramos a tessitura complexa de forças que transformam a escada da vida em uma obra-prima em constante evolução.

O povo judeu sonha com escadas, com anjos, com a terra e com o céu. Com a profunda convicção que Deus está por cima das nossas capacidades, e que está conosco cada vez que conseguimos subir um novo degrau. 

Outros povos, perversos, corrompidos e maléficos, sonham pelo contrário com escadas que descem nas profundezas dos infernos.
Nossa missão é subir e subir, como povo. Degrau por degrau, firmes e seguros. Até alcançar as alturas da honra, que devemos sentir por ser parte do povo de Israel.